Uma vida de cão

setembro 14, 2018

Olho em seus olhos e vejo o mundo se abrir. Tão doce e puro que faz tudo ter sentido em apenas segundos. Me sento acolhida, apesar de ser minha a vontade de pegá-lo no colo a cada instante. O afago em sua pele traz paz. Algo que devia confortá-lo, na verdade, me conforta.

Quando o vi pela primeira vez, pequeno e indefeso, deitadinho em um canto me senti viva. A única coisa que queria era acolhê-lo, cuidá-lo. E a partir daí minha vida mudou. Tive um remédio diário e instantâneo para minhas dores.

Às vezes eu queria ser um cachorro. Ter aquela ingenuidade a todo momento e um jeito de amar sem reservas. Fazer todos se apaixonarem por ter belos olhos, apesar de aprontar um bocado. Cachorros são o tipo de ser que nos fazem repensar a vida, criam uma parte de nós que não conhecíamos.

A impressão que tenho é que eles são felizes e completos, que escolhem estar conosco apenas por prazer. Você olha um animalzinho dentro de casa e vê a mesma satisfação em um que está nas ruas com sua matilha. Não aqueles que foram maltratados, claro, mas aqueles que simplesmente nunca acharam um lar. É como se eles estivessem dizendo que já se bastam, mas que optam por estar conosco para ficarem mais felizes. E talvez por isso fiquem folgados.

Como um ser pode ao mesmo tempo reunir uma doçura e incrível poder de destruição no mesmo corpo? E por mais que achemos que eles entendem as coisas, em outros momentos pensamos que eles estão alheios a tudo. Como se estivessem mais numa dimensão espiritual do que na material. É um incrível limbo onde olhamos a simplicidade deles e nos questionamos se eles não são, na verdade, mais evoluídos que nós.

Nós que temos neuras e defeitos não conseguimos compreender espécies mais simples que nós e consequentemente mais puras. Eles vivem entre nós, mas não são perturbados por nossas loucuras até que façamos algo a eles. Parece que vivem o melhor dos dois mundos, sabe?


Não existem eleições, problemas de amor, adolescência e parentes chatos para aturar. Um pão duro vira uma incrível refeição e as dores são superadas por afagos. Eles simplesmente são, naturais e instintivamente querem uma vida para compartilhar com a humanidade. 


Como associamos a vida de cão a coisas ruis se mesmo vivendo todos os dias vidas insuficientes eles estão sempre gratos? Toda vez que olhamos no fundo dos olhos deles é como se entendessem a nossa alma e, mesmo não falando nada, trazem conforto. A simples presença é o afago. Nós que abraçamos, mas nos sentimos amados. Isso é poder dos cachorros.

E talvez nosso dilema seja nunca entender como que a simplicidade consegue ser tão direta quando se trata de amor, ainda mais quando não somos suficientemente capazes de retribuir.







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